Transição energética – Pés no chão e olhos voltados para o futuro

Transição energética – Pés no chão e olhos voltados para o futuro

 Cibele Gaspar [1]

 Em tempos de COP 26, com resultados não tão relevantes do ponto de vista do compromisso de subsídios às reduções das emissões de carbono, é um alento ver a atuação do setor privado e suas associações, bem como dos governos subnacionais, a exemplo do Ceará, que apresentaram estratégias consistentes para uma transição energética justa com uma inovadora visão de futuro, em linha com as necessidades por combustíveis renováveis manifestadas pela comunidade europeia.

O desenho instituído para a implementação de unidades de produção de hidrogênio verde no porto do Pecém, inseridas na ZPE do Ceará, única alfandegada e em franca operação no Brasil, utilizando-se de energia renovável (eólica e solar) em sua produção, traz uma franca vantagem competitiva a esses empreendimentos, seja pela proximidade geográfica da Europa, como também pelos incentivos fiscais decorrentes de sua instalação em uma ZPE, com produção focada para exportação.

É importante lembrar que o Ceará procurou incorporar a essas ações mecanismos de inclusão produtiva e social e de erradicação da pobreza do Estado. Com essa lógica foi criado o Programa Renda do Sol, que busca desenvolver regiões mais deprimidas do estado, com inclusão das populações vulneráveis através de um programa de microgeração distribuída de energias renováveis e de uma moeda socioambiental digital lastreada em créditos de carbono.

Uma interessante e inovadora construção, e que vem a calhar quando o mundo discute a questão e que as minorias privilegiadas vêm sendo pressionadas pela esmagadora maioria da população mundial a oferecer soluções para a desigualdade em todos os níveis.

O Ceará adicionou à essa receita de sucesso uma pitada relevante de inovação. Com memorandos já assinados com cerca de 12 grupos de investidores globais, as parcerias preveem uma forte interação entre as empresas e a Universidade Federal do Ceará, para execução de pesquisas em conjunto e projetos de interesse mútuo, com o objetivo de fortalecer o ecossistema de inovação local, aumentando a efetividade dos investimentos e atividades em PD&I, ao tempo em que promove a dinamização da economia.

A visão de futuro está corretamente traçada e deve ser seguida. Um gol de placa. Desenvolvimento econômico sustentável só se concretiza com inclusão, inovação e proteção ao meio ambiente e ao planeta.

Como resposta às necessidades de descarbonização da economia, o hidrogênio se apresenta como uma importante alternativa. Quando produzido a partir de fontes renováveis de energia, não emite gases do efeito estufa, sendo um combustível neutro para o meio ambiente. Para produzir o hidrogênio verde, é preciso utilizar eletricidade, de fontes renováveis como a solar ou eólica para separar as moléculas de hidrogênio e de oxigênio da água. A técnica permite “estocar” a energia e até gerar um combustível líquido que pode ser transportado por navios. Mas ainda há muitos desafios tecnológicos para estabilizar o hidrogênio e armazená-lo de forma eficiente.

Contudo, há que se tratar de transição energética – e a palavra transição nos remete a olhar para o futuro com os pés no presente – existem questões de diversos matizes a serem superadas, principalmente as que dizem respeito não só  à tecnologia para transporte e armazenamento do hidrogênio, mas sobretudo ao volume de recursos gigantesco necessário para implantação dos empreendimentos, às regras para um mercado de carbono global   e às questões regulatórias e legais em âmbito global e nacional.

Enquanto isso, o planeta não espera. As fontes renováveis terão um papel cada vez maior em nosso conjunto energético, mas sem avanços significativos na armazenagem, não poderão fazê-lo sozinhas. O gás natural e os biocombustíveis, recursos domésticos abundantes e mais baratos – até agora[2] – do que o petróleo, terão um papel chave como a ponte para qualquer futuro energético que venha a prevalecer e, nos próximos anos, a forma mais econômica de enfrentar os desafios ambientais, econômicos e sociais que estão postos no momento. [3]

Oportunidades extraordinárias muitas vezes vêm disfarçadas como problemas insolúveis[4].

O Estado do Ceará, assim como a maioria dos Estados Brasileiros, ainda luta para resolver o problema dos lixões a céu aberto, que provocam desigualdade, miséria e doença. Em 2019, no Ceará existiam 301 lixões, somente 21 municípios tinham programas de coleta seletiva e apenas 10 municípios cearenses dispunham de aterros.

Esses resíduos, quando adequadamente tratados e com a tecnologia adequada, transformam-se em biometano (biogás), tornando-se fonte de geração de energia renovável de baixo carbono e contribuindo para a geração de empregos e o desenvolvimento sustentável e regionalizado do Estado, atuando diretamente na redução de desigualdades.

O Brasil possui o maior potencial de produção de biogás a partir de resíduos do mundo, isso devido à sua extensa produtividade agroindustrial, aliada à população de mais de 200 milhões de habitantes. Este energético possui características muito vantajosas, especialmente quando comparadas com outras fontes limpas e renováveis de energia.

Despachável, confiável e competitivo, o biogás também apresenta geração firme e tem como diferencial o fato de ser não-intermitente. Como o biogás se origina a partir do tratamento de resíduos e efluentes orgânicos, seu aproveitamento fomenta investimentos na correta destinação de resíduos urbanos e na agropecuária, constituindo um grande aliado do saneamento ambiental.[5]

O Ceará, nesse quesito, também é exemplo. É do Ceará a primeira usina de tratamento do biogás do Norte e Nordeste. O empreendimento é uma parceria entre a Marquise Ambiental e a Ecometano. Localizada no Aterro Municipal Oeste de Caucaia (ASMOC). A planta possui um sofisticado sistema de tratamento de gás natural renovável e já atingiu a capacidade de produção de 90 mil m³ de biometano por dia, tornando-se a segunda maior unidade do gênero do País e deve suprir cerca de 20% da necessidade de gás para as residências, para o comércio e para as indústrias do Ceará.  Também através dela é possível evitar a emissão de metano, que é 25 vezes mais nocivo como gás de efeito estufa ante o CO2 (dióxido de carbono) beneficiando, dessa forma, o Meio Ambiente e as gerações futuras. [6]

Ou seja, se o foco é pensarmos em como construir uma transição energética justa e segura, do ponto de vista econômico, social e ambiental, o Ceará já encontrou o caminho das pedras. Agora é alargar os horizontes, com os pés firmes no chão e os olhos voltados para o futuro.

[1] Mestra em Administração e Gestão Estratégica, Especialista em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria, Financiamentos Internacionais e Parcerias Público Privadas. Foi Executiva do Banco do Nordeste, atuando na estruturação de operações de Project finance nos segmentos de energia, mobilidade urbana, portos, saneamento básico e da estruturação de operações de corporate finance para os segmentos Empresarial, Corporate e Governo. Assessora Executiva da Saúde de 2019 a 2021. Atua como Advisor e Personal Banker. Atualmente é Diretora da Nexxi Assessoria Financeira.

[2] Ver https://exame.com/economia/petrobras-quer-elevar-preco-do-gas-natural-em-ate-quatro-vezes-em-2022/

[3] Ver o livro Reinventando o Fogo, de Amory B. Lovins, Prefácio de John W. Rowe, Chairman e CEO da Exelon Corporation – pág.23

[4] John Gardner, Secretário de Saúde, Educação e Assistência Social do Governo Lyndon Johnson

[5] Ver https://cenariosgas.editorabrasilenergia.com.br/o-cenario-do-biogas-no-novo-mercado-de-gas-brasileiro/

[6] Acessível em http://marquiseambiental.com.br/servicos-e-tecnologia/gnr-fortaleza-gas-natural-renovavel

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